Ainda tô digerindo o show que vi ontem: Gilberto Gil em sua última turnê, chamada “Tempo Rei”. Última. Pesado, né? E apesar do peso do tempo aparecer ali na fisionomia de Gil, na comparação de seus sucessos da juventude, nas lembranças da ditadura, num público mais velho, na presença de uma família talentosa que ele construiu, o show não foi uma despedida pesada. Transbordou alegria, a de ver uma pessoa tão importante e potente na cultura brasileira sendo celebrado lindamente em vida. Foi um show de uma leveza difícil de ver em apresentações grandiosas.
Como um megashow no Allianz, teve fogos de artifício, papel picado, chamas. Vi isso em outros dois shows que vi por lá, o do Coldplay e do Foo Fighters. Efeitos que combinam com a breguice dessas bandas mas não muito com o Gil rs, achei desnecessário. Mas é coisa de gosto mesmo, eu tava num show grande, lotado, é óbvio que não seria uma coisa intimista de SESC. Mas meu lado cri-cri ficou de lado quando vi as mulheres perto de mim encantadas com os fru-frus hehe foi fofo.
Sempre acho complicado o uso pesado de projeções e luzes — a linha entre o legal e aquele episódio de Pokémon com alerta de epilepsia é muito tênue. Mas preciso admitir: a parte gráfica estava 10/10. Pra um show de estádio, isso é raríssimo. As fotos, as colagens, ilustras, tudo lindo. A equipe de design merece um aumento urgente. Pessoal das câmeras também. É meio estranho pensar de ver uma apresentação pela telona (ja que ver o artista a muitos metros de distância é bem difícil - Gil virou um pontinho no palco), mas ali as telas foram um show a parte. Dois ângulos diferentes de transmissão, misturados com letterings e efeitos gráficos muito f****.
Gil estava especialmente carismático: cantando com força, brincando com o público, brilhando como o showman que é. E ainda usando uma roupa lindíssima, vermelha, bordada.
O som, dentro do que se espera pra um estádio, estava ok. Serviu para o seu propósito de destacar um tambor bem batido!! A percussão, pra mim, foi um grande destaque da banda, junto com o quarteto de cordas e a sanfona do Mestrinho (não conhecia muito o trabalho dele, mas sanfona me pega demais. Agora tô aqui, meio obcecada).
Tivemos participações especiais: Nando Reis apareceu em “A gente precisa ver o luar”, e mesmo gostando dele, achei meio deslocado. Preta Gil, por outro lado, surgiu (após Gil chamar de “pretinha” iti que fofo a relação pai e filha) para cantar “Drão” e arrancou muitas lágrimas aqui. Antes de “Cálice”, passou um vídeo do Chico Buarque — bonito e melancólico, reverenciando a carreira de Gilberto Gil e lembrando do contexto da música.
O público era uma mistureba: casal de idosos dançando agarradinho, patricinha loira perdida achando que o show era só pra ela rs (sempre tem), brasileiríssimos presos em 2013, gente bonita, diferentes idades… No meu setor, dominado por jovens senhoras animadas e sem paciência pra confusão, me senti em casa.
Teve um momento que o Gil disse que “amar é mais difícil que morrer” — e apesar de soar óbvio, ficou ecoando forte em mim. Fiquei pensando em como é bonito ter quem transforme esse sentimento em música e beleza, apesar de toda dificuldade que é amar, essa coisa que exige ação e não a completa ausência que vem com a morte.